As muitas Ritas que aparecem no engenhoso livro de contos de estreia de Nilza Valeria performam, cada uma ao seu jeito e destino, fragmentos da mulher negra afro-brasileira. Uma brasilidade mais condizente com as vivências das periferias, sejam elas geográficas, econômicas e/ou da alma. Algumas sonham com príncipes sem saber que quem os encanta são elas mesmas, e, sem o domínio do encanto, caem no condicionamento do que a estrutura cultural e social espera e molda para elas: a pobreza, os filhos sem pais, as mortes trágicas dos que amam, a dureza da vida. O inusitado que traz mais sabor ao livro é o fato de que todos os contos são inspirados em versos das canções de Chico Buarque. Uma homenagem desse porte apenas se justifica e não se torna enfadonha se a homenageadora tiver a coragem de trair o homenageado, e isso Nilza faz com delicada habilidade. A começar pela transformação de todas as protagonistas em Ritas, seguido pelo enegrecimento de seus corpos e vivências. Dessa ousadia literária, Nilza Valeria assina sua autoralidade em contos com uma linguagem própria, vivaz e urgente como as falas das ruas, mas sem se descuidar da subjetividade de cada uma de suas personagens, que ora parecem pedir por socorro, ora por abrigo e em muitos contos, apenas por um pouquinho de descanso e amor.